Discurso forte e reflexivo de Anilce Anunciação marca o 07 de Setembro

Setembro/2022

“Durante o processo de colonização foi semeado nesta terra a certeza da impunidade para os poderosos, seus amigos e aliados”. Foi assim, com palavras firmes, o discurso da professora Anilce Anunciação durante da cerimônia de hasteamento das bandeiras no sete de setembro em Irará.

A professora falou após os pronunciamentos do prefeito, Derivaldo Pinto, e do presidente da Câmara, Genivaldo Batista. As bandeiras foram hasteadas ao som do hino nacional, executado pela Filarmônica 25 de Dezembro.

Em seu texto, a professora Anilce falou da história do Brasil, da desigualdade latente no país e de aspectos atuais. Também enalteceu personagens femininas como Maria Felipa, Maria Quitéria e Maria da Penha.

Anilce ainda teceu críticas ao atual momento do país. “Não podemos esquecer que quando negam a vacina, quando trocam livros por armas, quando alimentam ações racista”.

Coincidência ou não, durante do discurso, evangélicos que se faziam presentes de posse de bandeiras do Brasil, se retiram do ambiente.

Leia abaixo, o discurso na integra.

200 anos de independência do Brasil!

Por Anilce Anunciação

Parabéns ó brasileiros, já com garbo varonil, do universo entre as nações,resplandece a do Brasil.

Por que será que muitos foram os relatos  sobre este fato histórico , poucas foram as comemorações pela data? Este bicentenário nos lembra os gastos e custos na construção da réplica da embarcação usada pelo descobridor do Brasil (Pedro Alvares Cabral)  onde no final as comemorações  se encerraram e a embarcação não saiu do lugar e para o bicentenário foram buscar o coração de D Pedro.

Alguém sabe para quê? Será que é por conta da volta crescente da dívida externa? 

Estas experiências nos levam a refletir sobre como a nossa história  nos é apresentada de forma  negacionista . O colonizador descobriu o que mesmo? Então o nome deveria ter sido corrigido lá longe ( de descobridor para invasor).

Durante o processo de colonização foi semeado nesta  terra a certeza da impunidade  para os poderosos , seus amigos e aliados. Essa prática nos atormenta até hoje. Os coronéis ganharam outras roupagens e consequentemente outras formas de mandar. Onde o pobre não pode ter direito a uma ascensão social , o povo negro favelado não pode ter visibilidade, os indigenas perdem o direito de suas terras  e o chicote agora é o revolver  .

Vivemos um grande índice de feminicídio, pois todo coronel de alguma forma é um abusador e graças a Deus agora essa prática abusiva é crime, tem punição. Antigamente   a morte de nós mulheres  entrava para os registros como lavação de honra do marido.

A submissão da mulher, fez com que uma das nossas heroínas da independência, se disfarçasse de homem para poder lutar pela tão sonhada nação. Por que a necessidade desta narrativa? Conta-nos alguns historiadores  que Dona Leopoldina teve grande importância para que este ato político pudesse acontecer, mas o nome dela vem sem destaque ( ela era mulher).

São 200 anos de independência e  nós temos uma história que a história não conta. Muitas foram as mulheres que lutaram contra a tirania, o domínio e o poder do colonizador e não tiveram seus nomes revelados na história da independência por serem mulheres.

Sou fã da luta de Maria Felipa e sua turma, admiro a coragem da irmã Joana Angélica .Trazendo para os nossos dias, ela demonstra que nenhuma religião deve cruzar os braços diante de qualquer injustiça, seja ela social ou política.

Maria Felipa nos revela como é importante traçarmos estratégias  em tempos sombrios, como os que estamos  vivendo, a coragem de Maria Quitéria se iguala a tantas outras que lutam e defendem seus direitos, à exemplo de Maria da Penha. Quantas heroínas  continuam no anonimato. E quantos cidadãos precisam ser revelados pelos atos solidários  que salvam vidas.

200 anos de independência política do Brasil! 200 anos das mazelas   herdadas por nossa gente ( fome, miséria, corrupção, dez milhões de desempregados  não  pode ser tanto faz)

Como celebrar  a independência  do Brasil em meio às ameaças? A democracia em meio às ameaças ao estado democrático de direito?   

Neste contexto, devemos ressaltar  que  nosso País está envolto numa complexa e sistêmica crise, que escancara a desigualdade estrutural, historicamente enraizada na sociedade brasileira.

Constatamos os alarmantes descuidos com a terra, a violência latente, explícita e crescente, potencializada pela flexibilização da posse e porte de armas que ameaçam o convívio humano harmonioso e pacífico na sociedade. Entre outros aspectos destes tempos, estão  a falta de acesso à educação de qualidade para todos.

Como Professora gostaria de dizer não às armas e sim aos livros, a vida. Freire já nos dizia que a democracia não pretende criar santos, mas fazer justiça. Por isso precisamos ficar atentos, para que nossas conquistas, a base de luta, não sejam enterradas por MITOS ou seguidores.

O quadro que retrata o momento do grito Independência ou Morte, revela  D. Pedro  montado a cavalo, com espada em punho e rodeado por uma comitiva, todos em seus cavalos. Em um ato teatral, o príncipe regente proclama a independência de forma heróica.

Vale lembrar que, a imagem  do povo mostrada nesta tela é a mesma que hoje muitos têm com relação ao orçamento secreto e outras coisas  mais. Muitos dos colonizadores do século XXI agem dessa forma.

Não podemos esquecer que quando negam a vacina, quando trocam livros por armas, quando alimentam ações racistas, quando aplaudem atitudes como aquela que aconteceu em uma loja em Salvador (em que o dono por motivo simples, torturou e zombou de dois jovens pobres trabalhadores), quando assinam auxílios temporários e enganosos, que visam ludibriar o povo, Pedro Américo continua pintando sua tela de enganação. Precisamos vigiar  a nossa democracia, ela corre perigo de vida nestas eleições.

Para além do grito do Ipiranga :Independência ou Morte! É necessário trazer para a roda a importância do nordestino na confirmação desse ato. Ressalto a Bahia e sua gente(negros e índios ou seja os brasileiros baianos), os Encourados de Pedrão, por que não dizer Encourados de Irará(naquela época Pedrão não era emancipado). Ainda hoje nós iraraenses  temos tarefas  urgentes  e inadiáveis para o processo de construção da nossa independência .

Nos anos 70, uma mulher, Marina Colasanti, escreveu uma crônica no auge do AI5  com o título: EU SEI, MAS NÃO DEVIA. A gente se acostuma a lutar para ganhar dinheiro, a ganhar menos do que precisa e a pagar mais do que as coisas valem. A gente se acostuma às bactérias da água potável, à morte lenta dos rios, à contaminação da água do mar. A gente se acostuma à violência, e aceitando a violência, que haja número para os mortos. E, aceitando os números, aceitamos não haver a paz.

A gente se acostuma a coisas demais para não sofrer. A gente se acostuma para não se ralar na aspereza para preservar a pele. A gente se acostuma para poupar a vida. Que aos poucos se gasta, e que de tanto se acostumar, se perde por si mesma. A gente se acostuma, eu sei, mas não devia.

Então que a gente não se acostume com as ações dos políticos negacionistas e picaretas, que a gente  possa acreditar no Brasil, não deitado em berço esplêndido, mas no Brasil onde a comida chegue nos pratos de todos, onde a dignidade seja direito de todos, onde as leis não adormeçam no colo dos ditadores e que o voto seja a maneira eficaz de fazer a nação brasileira ser verdadeiramente independente.

Viva o Brasil!

Viva a nação que nasceu em 1822 e até hoje não conseguiu sua maioridade.

Viva a nós, brasileiros e brasileiras que acreditamos que é possível um Brasil para sua gente!!

Vou terminar com uma fala de Emicida, que ao se apresentou no Rock in Rio, disse:

“Para que nunca mais precise importar o coração do colonizador é preciso lembrar que temos muitos corações”

Mestre Moar do Catendê, Mariele Frango, Menino Miguel, Claudia, Moise, Bruno-o indigenista assassinado e muitos outros corações que temos.

Viva o Brasil!

Viva a nossa gente!

Viva o Estado Democrático de  Direito!

Fora Bolsonaro!

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